Noite encalorada, nem brisa mansa para balançar folhas de árvores havia. O sol de verão esquenta tudo, jardim e horta murcham rápido. Uma tarde sem aguar planta já mostra sinal de tristeza, baixa/encolhe. Terra racha que nem leito de rio seco.
Noite estranha. Deitado, buscando sono que não vinha, olhos virados para o céu de janela aberta até onde dava, vontade de nem parede ter. Sem camisa, sem lençol. O cortinado não tem como tirar, pois aliado de primeira hora de calor, mesmo no seco vem hordas de pernilongos cantadores. Dorme não, desassossego fica imenso.
Ponho a escutar o silêncio quente. Nada, só zumbido pregado no véu protetor. Calor. Dou o dedo para mosquito sugar, quando sinto a voracidade e pressa dela afasto. Parece que ouço o seu xingar nervoso. Carece de meu sangue para amadurecer ovos e por cria no mundo. Então, só elas usam sangue no comer. Eles não. Vivem de seiva mesmo quente em dia como hoje. Elas não! O sangue nosso é seu buscar para perpetuar. Eles é que cantam zoada em nossos ouvidos. Dizem que é para distrair incauto enquanto fêmeas se banqueteiam na outra ponta, lá nas canelas. Só se dá conta quando vem a coceira. Nada de sono. Suor aumenta. Ligo ventilador em busca de refresco. O cortinado, como vela de barco de pesca, como saveiro, se joga em um mar de pensamentos. Melhora um pouco, a quentura.
Do nada um canto triste e forte de pássaro preto rompe a noite vestida com sua cor. Boto atenção no não normal do feito. Pia/canta uma, duas, três vezes. Sinto agonia nesse cantar noctívago a campear tarde assim. Penso em levantar e buscar saber. O abafamento me põe preguiça e me deixo ficar, mas alerta. O canto volta a fazer-se ouvir. Estranheza.
Será filhote perdido? Será mãe a buscar cria que não encontrou ninho? Talvez. Penso o pior: será gente humana sempre carregando fardo de maldade, ruindeza, que roubou filhote para amansar em gaiola? Este sentimento me tira de vez o dormir. Têm tantos assim, que acham motivo para prender cantos como se deles fossem senhorios.
Não consigo me levantar, a noite será longa em pios/cantos, tristeza.
Lá adiante um frescor e, sem perceber, fadiga me leva a sono curto, repleto de pesadelos, cantos tristes. Sonho com gaiolas e prisão.
Acordo em trapos.
No caminho da lida vejo de canto de olho gato sair ligeiro de moita e em certeiro bote levantar em penas uma rolinha carijó. Desjejum farto este terá.
Virando a esquina, a um braço de meu rosto, casal de beija-flores dança em namoro. O aprender a ver e ouvir o que rodeia tem um triste/alegre integrar. Avanço com sono bruto para encarar um nada fazer. Ando sem serventia para uns. Não é meu querer, mas sigo a cumprir tabela.
Será predição aquele pio triste? Acredito nisso não. Só as gentes premeditam o mal e sinal não mandam.
Veterinário e Escritor