Gustavo Hoffay*
Nos distantes anos setenta e quando eu ainda não passava de um projeto mal acabado de homem, conheci o Flavio. Aaaah, o Flávio…até então o ser-humano mais assustadoramente feio que conheci. Durante anos Flávio “Negocinho” foi meu colega de trabalho no mesmo departamento de uma grande empresa de economia mista. Boa empresa, bom salário, ambiente saudável e, para o funcionário que quisesse, um emprego para toda a vida; eu não quis e da mesma forma que abri mão de outras oportunidades surgidas em cargos públicos a níveis municipal e federal. Na grande, acarpetada, climatizada e confortável sala que eu dividia com outros três colegas naquela empresa, nunca faltavam exercícios interpessoais que ajudavam-nos a passar o tempo: fofocas, piadas e assuntos diversos, atividades raramente interrompidas pelo irritante toque do telefone. Mas o melhor daquele emprego, confesso, eram as viagens. Em carro da empresa ou em ônibus-leito, eu e Flávio “Negocinho” seguíamos pelas estradas de Minas, enquanto ficávamos em bons hotéis e almoçávamos nos restaurantes mais recomendados. Em Uberlândia, naquele tempo, hospedávamos no “Hotel Colombo” (no local onde hoje está a Lojas Riachuelo)e almoçávamos no “Garibaldi’s Restaurante”, ao lado do mais “chic” hotel desta cidade àquela época, o “Presidente”. Da polpuda diária, claro, restava-nos ainda uma quantia considerável para gastos “extras”! Vida dura…duríssima…! Flávio tinha um sonho impossível de ser alcançado e caso dependesse unicamente do salário pago pelo governo: tornar-se rico. Poupador sistemático e agindo como a um agiota em toda e qualquer repartição daquela estatal, era fácil a qualquer dos nossos colegas chegar à triste conclusão de que ele sofria de um grande mal: a idolatria pelo dinheiro. Na empresa, quem cruzasse com ele logo esquivava – se para evitar de ouvir a sua famosa pergunta: -“ Quer fazer um negocinho ?”, enquanto avidamente esfregando o dedo polegar no dedo indicador….! Sim, ele era um agiota na mais pura e genuína acepção da palavra. Aposentar-se ou mudar de emprego, jamais; nesse caso ele ficaria fora do foco da sua clientela preferida: nossos colegas de trabalho, dezenas deles. Por dinheiro “Flávio Negocinho” seria capaz de vender a sua alma ao diabo e tomá-la de volta sem que o encardido sequer percebesse. Semana passada e depois de alguns anos sem ter notícias dele, chegou-me a notícia do seu falecimento. Recentemente ao encontrar-me com um amigo em comum, quase atrevi-me a indagar-lhe, em tom de brincadeira, claro, se no caixão daquele ex-colega havia uma gaveta e dado que ele mesmo, certa vez, havia-me dito o quanto era sábia a lógica do vil metal: ele não surge do nada, ele pertence em maior parte a quem é mais esperto! Pode até ser, pensei. Mas nesse caso da “gaveta”, especificamente, esperto é quem não faz conta do dinheiro para obter e usufruir de momentos felizes. Quem viveu exclusivamente pelo dinheiro e o levou consigo no caixão, “passou por essa vida e não viveu” (Vinicius de Moraes).O momento é esse, a vida é agora, amemos muito pois, como dizia Dalai Lama “ só existem dois dias no ano que nada pode ser feito:ontem e o amanhã. Então hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver”. Poupar dinheiro é ser previdente; viver em função dele é ser improvidente em relação ao dom da vida, é agir contra os divinos propósitos de Deus.
Agente Social
Uberlândia-MG