Ana Maria Coelho Carvalho*

Por exemplo, a mudança de Dom João VI e sua corte para o Brasil foi simplesmente uma fuga apressada e atabalhoada: ou ele fugia ou muito provavelmente seria preso e deposto por Napoleão. A pressa foi tanta que na confusão da partida, centenas de caixas repletas de prata das igrejas e milhares de volumes da preciosa Biblioteca Real ficaram esquecidos no cais de Belém, em Lisboa.
Assim, no dia 29 de novembro de 1807, os portugueses acordaram com toda a corte fugindo para o Brasil, sob proteção da Marinha Britânica. Reis e rainhas europeus já haviam sido destronados e decapitados, mas nenhum tinha cruzado o oceano para morar e governar em uma colônia. Os portugueses ficaram órfãos de sua monarquia e os brasileiros, acostumados a serem apenas uma colônia extrativista de Portugal, ficaram encantados com a chegada da corte.
No dia sete de março de 1808, a esquadra de D. João VI aportou na baia de Guanabara, depois de três meses em alto mar. As condições da viagem foram péssimas, pois os navios eram autênticas saunas flutuantes. O excesso de passageiros e a falta de higiene favoreciam a proliferação de pragas. No navio onde viajava a princesa Carlota Joaquina aconteceu uma infestação de piolhos. Todas as mulheres rasparam a cabeça e lançaram as perucas ao mar. Quando desembarcaram no Rio, usaram turbantes. Ao verem as princesas assim cobertas, as mulheres do Rio pensaram que era a moda da Europa. Em pouco tempo, passaram a cortar o cabelo e a usar turbante para imitar a nobreza.
D. João desembarcou do navio Príncipe Real com sua vasta casaca sebosa de galões velhos, puída nos cotovelos. Era baixo e gordo, tinha de aristocrata apenas as mãos e os pés muito pequenos. O rosto era redondo e sem majestade, com o lábio inferior grosso e pendente. O povo do Rio ficou decepcionado com a aparência da corte, mas lhe prestou todas as homenagens que estavam a seu alcance. O cortejo com a nobreza portuguesa, cansada e desfigurada pela longa viagem, caminhou vagarosamente para a catedral da cidade.
Embora feio, inseguro, tímido, separado da mulher, com medo de caranguejos e trovoadas, D. João foi um rei popular, que passou para a história como um monarca bonachão, sossegado e paternal, sendo considerado o fundador da nacionalidade brasileira. A colônia ganhou muito com sua vinda, a começar pela independência. Mas os custos da família real no Brasil foram enormes. Era preciso alimentar e pagar as despesas de uma numerosa corte ociosa, corrupta e perdulária. Começou com o sequestro das casas para alojar a nobreza, que eram marcadas com PR, de ”Príncipe Regente”, mas que o povo interpretava “Ponha-se na Rua’. No dia 24 de abril de 1821, quando regressou a Portugal, depois de treze anos, D. João ainda raspou os cofres do Banco do Brasil. Assim, a corte, que viveu na corrupção, ainda fez um assalto ao erário brasileiro ao partir, deixando o país à míngua. Duzentos anos depois, ainda convivemos com heranças desse passado, como apropriação indevida de bens, roubo e corrupção, que continuam assombrando o presente e o futuro dos brasileiros.

*Bióloga – Uberlândia – MG – anacoelhocarvalho@terra.com.br