Ana Maria Coelho Carvalho*
Certa vez li um artigo interessante de Roberto Pompeu de Toledo, publicado na revista Veja, comparando o americano Benjamim Franklin com o brasileiro José Bonifácio de Andrada e Silva. A entrega à Ciência uniu estes dois grandes homens. Numa época em que a esperança da humanidade se concentra na Ciência para a produção de vacinas contra a Covid 19, vale a pena recordar Ben e Boni.
Ben nasceu em Boston, em 1706 e poderia ser avô de Boni, que nasceu em 1763, em Santos. A mente dos dois foi formada no Iluminismo do século XVIII e envolveram-se em lutas semelhantes, movidos pelos mesmos ideais. Foram heróis, cultuados como sábios, estratégicos para a independência de seus países e a trajetória deles é importante para entender as nações que deixaram como herança. Enquanto para os americanos Ben é um personagem familiar, com vários livros escritos sobre ele, os brasileiros aprendem apenas duas ou três coisas sobre Boni e esquecem assim que saem da escola.
Ben era filho de um comerciante de velas e sabão e fugiu de casa aos 17 anos. Não tinha curso superior, mas com 23 anos já era dono de uma impressora e do jornal Pennsylvania Gazette, além de grande escritor. Com quase 1,80m e porte atlético, era simpático, sociável e sem nenhuma timidez. Criou um clube de comerciantes, ingressou na maçonaria em 1751 e na política como deputado da Pensilvânia.
Já Boni nasceu em uma colônia onde uma impressora era considerada um artefato subversivo. Filho de rico comerciante, aos 20 anos ingressou na Universidade de Coimbra. De temperamento irritadiço e estatura abaixo da média, cursou filosofia e direito, mas a sua paixão era a ciência e a mineralogia. Como membro da Academia das Ciências de Portugal, ganhou uma bolsa de estudos para se aprimorar nos principais centros europeus.
No tocante à Ciência, Ben, mesmo sem formação acadêmica, era um inventor. Estudou, entre outros, o trajeto dos ventos e das tempestades. Criou chaminés e fogões que não espalhavam fuligem no ambiente. Inventou até a lente bifocal, colando duas metades de lentes. Ganhou celebridade internacional aos 46 anos, com seus estudos sobre eletricidade e a invenção do para-raios.
Quanto a Boni, tinha prestígio nos meios científicos. Visitou minas de vários países europeus e encontrou e descreveu quatro espécies e oito subespécies de minerais até então desconhecidos. Ao voltar a Portugal, em 1800, foi professor de Mineralogia e Intendente Geral das Minas.
Os dois foram protagonistas importantes na transformação de territórios coloniais gigantescos em nações. Ben foi o único a subscrever os quatro documentos fundadores da nação americana: a Declaração de Independência, o tratado de amizade com a França, o tratado de paz com a Inglaterra e a Constituição.
Por seu lado, Boni retornou ao Brasil aos 56 anos, um velho para a época. Em 1822, depois do famoso “Fico” de Dom Pedro I, passou a ter poderes de primeiro ministro. Foi o autor principal na proeza de formar um país continental, unindo as províncias sob o governo do Rio. Lutou para abolir a escravidão e para incorporar os índios á sociedade. Vítima de intrigas e ciumeiras, foi preso e deportado.
Ben morreu com 84 anos. Trinta anos de sua vida foram dedicados a causas da independência, ajudando a criar uma nação de sucesso. Boni morreu com 74 anos e sua atuação política não chegou a dois anos. Teve sucesso para criar um país grande e unido, mas fracassou no projeto de estabelecer condições para uma sociedade mais justa, sem tantas desigualdades sociais.
Enfim, dois grandes homens e um imenso legado. Lamento apenas pelo Boni, pois a nação com a qual sonhou ainda não existe.
Bióloga – Uberlândia – MG – anacoelhocarvalho@terra.com.br