José C. Martelli*

Vez ou outra, enriqueço este blog, devidamente autorizado pelos emitentes, com escritos que recebo e que, no meu entendimento, devem ser publicados. Atrevo-me até a parodiar Camões relembrando versos dos Lusíadas:
“Cesse tudo o que a Musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta.”.
É o caso do texto abaixo, recebido de meu sempre amigo Prof. José Honório Accarini, com quem acredito que conasci, obviamente, para o bem.(o corretor grifou em vermelho o “conasci” porque ainda não leu o texto.)
CONHECER
Há diversas palavras cujo significado fica bem claro quando se buscam suas origens ou raízes. Uma que um ex-chefe, muito versado em latim, me ensinou é companheiro: “aquele que come o pão comigo”. Obviamente, esse pão não significa apenas o alimento; claramente é muito mais do que isso.
No caso do verbo conhecer, uma reflexão interessante é lembrar que, em francês, temos dois verbos interligados: naître (nascer) e connaître (conhecer). Isso permite dar uma forçadinha e traduzir connaître por conascer, verbo inexistente em português.
Avançando um pouco, pode-se admitir que conascer seria como nascer junto. Assim, quando conhecemos e passamos a conviver com alguém que nos toca ou afeta de algum modo, nós meio que passamos a ser algo diferentes do que éramos até então. E, à medida que a interação e o convívio avançam, também progride essa troca de ideias, emoções, visões de mundo, sentimentos, atitudes, hábitos, valores e assim por diante. Se esse processo é muito intenso e rico, pode-se dizer que o conhecer que vivenciamos com alguém permitiu que ambos conascessem e renascessem melhores em alguma medida.
Claro está que para essa interação se instalar e avançar é preciso que haja concordância entre as pessoas que se conhecem, uma troca, um consentimento, um querer enfim porque tanto o conascer quanto o renascer não devem ser impostos de fora pra dentro (exógenos), mas construídos de dentro pra fora (endógenos).
Outro ponto importante é que tanto o conascer quanto o renascer podem ser construtivos ou destrutivos. Quando duas pessoas se conhecem, se completam e se amam, certamente será construtivo e também sinérgico porque elas serão melhores do que a “soma” das duas antes de se conhecerem. O amor é sinérgico e construtivo, certamente que é.
Todavia, desde que o mundo é mundo, há muitos casos destrutivos quando, por exemplo, alguém conhece e passa a conviver com uma pessoa errada, um criminoso, um fora da lei etc. Isso acontece muito em prisões, favelas, no tráfico de drogas, na política, nas organizações públicas e particulares, ou seja, no dia-a-dia deste nosso mundo complicado e desafiador.
Nesses casos, os processos de conascer e renascer geralmente são exógenos, ou seja, moldados pelas forças do mal ou pelas circunstâncias inerentes ao conhecimento inicial. Ex. Se um novo detento não se enquadrar nas “leis” ditadas pelas lideranças que dominam o presídio, poderá ser machucado, violentado ou morto, ele ou seus familiares e ele acaba não tendo escolha. Triste, mas infelizmente real.

*Advogado e professor – Espírito Santo do Pinhal – SP