Percival Puggina*

O cidadão precisa ser muito distraído para não perceber o quanto é mal sucedido o modelo político adotado no Brasil republicano. O sistema é fértil em gerar crises e criar problemas para si e para todos. Pela multiplicação de partidos e maus hábitos, torna cada vez mais cara, difícil e indecentemente onerosa a formação de maioria parlamentar sem a qual nenhum governo conseguiu governar e completar mandato desde 1945. Quanto mais manhosa a maioria, mais caro o voto. Quanto mais ampla ela for, mais corrupto o sistema. Quem muito atraiu ou comprou, muito haverá de pagar.

Bem resumidamente, os sistemas de governo são três:

Presidencialismo, no qual o presidente é chefe de Estado e de governo e precisa, desesperadamente, compor e manter maioria parlamentar depois de eleito;
Semipresidencialismo, no qual o presidente é chefe de Estado e indica um Primeiro Ministro à aprovação do Congresso para que este exerça as tarefas de governo (a maioria que o aprovar é a maioria que vai governar e demanda “negociação” nos moldes atuais);
Parlamentarismo, no qual o presidente é chefe de Estado e a maioria do Congresso indica o Primeiro Ministro. Neste caso, o governo sempre terá maioria porque se não tiver, cai e outro governo é indicado pela nova maioria.

Dos três, o mais racional e mais utilizado nas democracias é este último porque estabiliza a governabilidade.

No entanto, nenhuma alternativa ao atual presidencialismo dará certo se tudo permanecer como está na dinâmica das eleições, da política e da vida parlamentar.

Quem quer dar mais poder a um parlamento como esse que temos?

Antes de qualquer mudança, aprovem nossos parlamentares o voto distrital, o recall, a possibilidade de dissolução do parlamento seguida de convocação de novas eleições por ato do chefe de Estado. São regras civilizadas, próprias ao parlamentarismo, vigentes em democracias estáveis e bem sucedidas.

Que este venha depois, e só depois, dos preceitos saneadores do Legislativo!

Mas não! A proposta do semipresidencialismo em 2022 é concebida no ventre de um Congresso que em dois anos e meio, perenizando a impunidade, não votou uma PEC que permita a prisão após condenação em segunda instância. Não votou a CPI da Lava Toga (para não “desestabilizar” a harmonia dos poderes), mas votou a CPI da Cloroquina para “desestabilizar” o Executivo. Não fez andar um único pedido de impeachment contra ministros do STF. Antes, deu rédea solta ao Supremo petista. Homologou a absurda ordem de prisão “em flagrante” contra o deputado Daniel Silveira. Transformou o Pacote Anticrime em preceitos que reprimem a ação da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário. Mandou à nação uma conta de R$ 5,7 bilhões para o custeio de suas campanhas eleitorais do ano que vem. E por aí vão.

Todo o mal que tramam é produzido sem que se identifiquem os autores, à noite, à véspera de recessos, em acordos e artimanhas regimentais. Todo o bem que não fazem, é omissão oculta no anonimato da multidão; salvam-se lisos, numa espécie de imunidade de rebanho, se me faço entender.

Semipresidencialismo, nascido nesse parlamento onde a maioria só quer se preservar no poder, é vigarice, pura e simples. É expropriação de poder do presidente que venha a ser eleito no ano que vem. É artimanha para se legitimarem perante a nação e, imediatamente após o pleito, seguirem fazendo a única coisa que sabe: cuidarem de si mesmos. Proteja Deus e preserve em seu difícil trabalho os bons que, sim, ainda existem.

VIGARICE PURA E SIMPLES

Percival Puggina*

O sucesso das redes sociais e da mídia alternativa se deve, principalmente, ao fracasso ético dos grandes grupos de comunicação do país. Se lessem o que publicam, se assistissem aos próprios programas com olhos de ver e não com olhos de quem dispara contra um alvo, talvez conseguissem compreender o fenômeno a que dão causa.

Enterra a si mesmo em cova rasa, à vista de todos, um jornalismo que silencia perante prisão de jornalistas, constrangimento de veículos e atos que reprimem a liberdade de opinião e expressão. Envolto em cortina de silêncio, tudo isso está acontecendo no país.

Nuvens escuras da incerteza cobrem os céus da pátria, grandes grupos de comunicação formam nosso mais ativo partido político e compõem bancada ao lado do STF. Menosprezam a liberdade de expressão de seus leitores, tanto quanto os ministros alardeiam como mérito sua permanente empreitada “contramajoritária”. Quem diverge é vilão e toda divergência é vilania…
Esgotam sobre os próprios leitores o vocabulário, os rótulos e os chavões que servem como carteira de identidade do grupo que foi varrido do poder em 2018.

Aliás, nada é tão parecido com um discurso da tropa de choque petista quanto o conteúdo de outrora expressivos meios de comunicação.

Eu me criei lendo jornais com enorme tiragem e elevada credibilidade, cujo conteúdo era enriquecido por opiniões competentes e textos de brilhantes escritores. Hoje, fico entre o riso e a tristeza ao perceber a unânime atenção, o apoio e a fidedignidade que lhes merecem atores bufos da cena política, como os senadores ficha-suja que encabeçam a CPI da Covid e ameaçadores ministros que nem mutuamente se respeitam.

Hoje, fico entre o riso e a tristeza, repito, ao ver como veículos outrora altivos e independentes cortejam o cesarismo togado da Suprema Corte. E nisso persistem, mesmo quando ela dilacera a Constituição, mesmo quando faz “justiça” com as próprias mãos e mesmo que suas convicções durem tanto quanto sirva às estratégias.

Veem as praças coloridas com as bandeiras da pátria comum, ocupadas pacificamente por famílias, idosos, pais, filhos, jovens. Ouvem-nos cantar hinos cívicos e rezar pelo bem do país.

Esse bom povo brasileiro está ali, com seus apelos e seus cartazes, porque ainda preserva a crença de que a democracia tem ouvidos para ouvir.

Esse povo sabe que as instituições são “da democracia”, mas não são, em si mesmas, “a democracia”.Por sua militância porém, veículos que eram oráculos de nossos pais a tudo retratam com as cores da irracionalidade, do desprezo e do ódio. Dão mais guarida ao fascismo dos antifas do que à civilizada manifestação dos conservadores!

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.