Dr. Flávio de Andrade Goulart
Quantos e quais médicos estão disponíveis no Brasil para atuar no sistema de saúde? E quantos serão nos próximos anos? O que mudou na formação e no trabalho médico no país? A maior oferta de profissionais na última década responde às demandas do SUS? Idem para as regiões desassistidas e as necessidades de saúde da população? E o caso do DF, como está em termos absolutos e comparativos com as outras unidades federativas do país? Estas e outras perguntas estão respondidas e analisadas no estudo Demografia Médica no Brasil (DMB 2023), originado, em 2011, no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, agora em sua sexta edição, contando com parcerias diversas, entre as quais se incluem a Associação Médica Brasileira, a OPAS e outras entidades, tendo se tornado referência obrigatória sobre medicina no Brasil. E também pela utilização da palavra demografia, antes restrita à população em geral, transformada em variável importante na análise da distribuição de determinados grupos sociais e profissionais. A necessidade de compreender a população de médicos no Brasil – numerosa, diversificada e em evolução – e sua implicação para o SUS determinaram o surgimento e a consolidação de tal assunto também como linha de pesquisa, incluindo aí o perfil, a evolução e a mobilidade populacional no tempo e no espaço da profissão, além de se ocupar da interação entre população, desenvolvimento econômico e força de trabalho. Aqui vai um resumo de tal estudo. As questões relativas ao DF serão abordadas em textos subsequentes, sempre aos sábados, como de costume neste blog.
Vai aqui um resumo dos dados levantados pelo estudo em foco
1. O número de médicos mais do que dobrou no Brasil em pouco mais de 20 anos e mesmo com uma eventual e hipotética suspensão da abertura de novos cursos de medicina, prevê-se um milhão de médicos em 2035.
2. A densidade de médicos por 1.000 habitantes aumentou no país (2,60 em 2023) mas prevalecem a concentração geográfica e a força de atração dos grandes centros, nas capitais até 6,13/1000 hab, no interior 1,84.
3. Nas cidades com menos de 50.000 habitantes, onde vive mais de 30% da população, estão presentes apenas 8% dos médicos, o que significa que a chamada “interiorização” de médicos está longe de ser realidade.
4. Forte disparidade na distribuição de médicos entre a rede do SUS e o setor privado e suplementar, com vantagem para este último, onde se atende menos de 30% da população.
5. Na oferta de consultas médicas verifica-se também desequilíbrio entre regiões geográficas e entre os setores público e privado. Quem dispõe de plano de saúde utiliza mais (3,3 consultas por pessoa/ano) do que aqueles que só têm acesso ao SUS (2,3 consultas per capita/ano).
6. A média de consultas realizadas por médico no Brasil anualmente ( 1.261) é bem menor do que em países da OCDE ( 2.122).
7. As mulheres formam maioria entre os novos registros de médicos e, conforme projeção da DMB, a partir de 2024, estarão em maior número na população total de médicos, mas a renda declarada das mulheres equivale a 64% do rendimento dos homens.
8. A média de idade na profissão tende a cair, estimando-se que 85% ou mais dos profissionais terão menos de 45 anos em 2035.
9. A graduação em medicina começa a registrar, ainda que com lentidão e atraso, maior diversidade social, tornando-se mais inclusiva para estudantes do ensino público, pretos e pardos, mudança que decorre principalmente das ações afirmativas de ingresso nas escolas médicas públicas.
10. O motor da expansão da oferta de médicos no Brasil foi a abertura de cursos de medicina privados, em favor de grupos empresariais da educação, provocando disputas de mercado, judicialização e conflitos regulatórios, movimento que não foi acompanhado pelo aperfeiçoamento de processos avaliativos da qualidade do ensino médico.
11. A Residência Médica (RM) envolve aproximadamente apenas 8% dos médicos do país. com estagnação da capacidade das instituições e programas de RM em admitir mais médicos residentes, também com fortes disparidades regionais. Apenas 12% dos residentes tem perspectiva de trabalhar majoritariamente no SUS depois de formados.
12. É preocupante o fato de que a força de trabalho cirúrgica no Brasil tem distribuição desigual, acarretando potencial indisponibilidade de cirurgias em tempo adequado, impactando ainda as filas de procedimentos eletivos no SUS.
13. O rendimento de médicos, a partir de dados do IRPF, mostra renda média declarada maior do que a de outros 200 profissionais da saúde e de nível superior, e três vezes acima da média dos brasileiros com vencimentos tributáveis.
14. Tendo como pano de fundo a pandemia de Covid, a infecção pelo coronavírus e a redução da renda afetaram boa parte dos profissionais, mas ao mesmo tempo o telessaúde revelou potencial de uso em múltiplas situações.
15. Em síntese, o Brasil precisa de médicos para cuidar de toda a população, o que dependerá, em grande medida, da sustentabilidade e ampliação do SUS constitucional. Se perdurarem, o subfinanciamento público, o aumento dos gastos privados e a segmentação do sistema de saúde, irão determinar a atuação de grande parcela dos médicos.
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Veja nos links abaixo uma síntese da pesquisa DMB 2023, o acesso ao texto completo da mesma, além de um texto meu sobre a situação do DF em 2011 (a ser atualizado e expandido dentro em breve).
• https://www.fm.usp.br/fmusp/conteudo/DemografiaMedica2023.pdf
• https://veredasaude.com/2013/10/10/demografia-medica-no-distrito-federal/
• Demogafia Médica no Brasil 2023 sintese.docx
*Flávio de Andrade Goulart é médico, professor de Medicina na UFU e na UNB, secretário municipal de Saúde em Uberlândia e é sobrinho do poeta Carlos Drummond de Andrade.