Antônio Pereira – Jornalista e escritor- Uberlândua- MG

A velha Livraria Kosmos, nos princípios do século passado, reunia, todas as tardinhas, os intelectuais da tranquila Uberabinha, entre eles, o rábula Francelino Cardoso e o guarda livros João de Deus Faria que o Francelino apelidara de “mulato malcriado”. João de Deus era baiano e tinha vindo de São Paulo contratado por Antônio Rezende Costa para fazer a escrita de suas firmas. Rezende Costa, paracatuense, foi um dos nossos grandes empresários dos princípios do século XX, estabelecido à praça dr. Duarte.

A Livraria Kosmos era a mesma que encerrou atividades há alguns anos, só que, naquele tempo, ficava no começo da rua Marechal Deodoro, próximo à praça dr. Duarte. Vendia camas, sanfonas, penicos, arame farpado, de tudo, inclusive livros e papelarias. Editava também um jornal chamado “O Brazil”, com “z” mesmo, cujo gerente era o cronista Pedro Salazar Pessoa Filho. Na verdade, Salazar teve as mais diversas profissões. Na ocasião, era jornalista. Zacharias Alves de Mello, proprietário da Livraria e do jornal, mais o Pedro Salazar, lançaram um plebiscito a ser respondido pelas pessoas cultas do lugar. Queriam mudar o nome da cidade. Era 1910. Enviaram muitos nomes, mas logo que chegou “Uberlândia”, que ganhou o gosto do público, sugerido por João de Deus Faria, que justificava a sua indicação com o significado da palavra, “Terra Fértil”, o Tenente Coronel da Guarda Nacional, José Theóphilo Carneiro, conhecido como “Seu Zeca”, estrilou.

Mandou chamar o Pedro Salazar.

– Menino, lhe chamei para lhe dizer: você e seu Zacharias parem com esse negócio de mudança do nome da cidade. O nome de Uberabinha é intocável. Se vocês continuarem com essa história vou recomendar aos meus correligionários que não assinem mais o seu jornal nem comprem nada na Livraria.

Salazar comunicou ao Zacharias as ameaças do Coronel e, no dia seguinte, “O Brazil” publicou uma nota meio desenxabida extinguindo o plebiscito. O nome apontado pelo “mulato atrevido”, João de Deus Faria, tinha pegado bem e ficou na memória do povo, principalmente na do próprio Coronel Carneiro.

Lá por 1928, 18 anos depois do plebiscito, o Coronel Carneiro, já idoso e sofrendo a perda da esposa querida, Don’Anna, ganhou algum alento retomando a campanha que ele suspendera. Enfim, tinha entendido que não era muito agradável ser uma Uberaba pequena para sempre. Sem aquela sensibilidade e conhecimento do João de Deus e no seu estilo mandão, o Coronel decidiu sozinho que Uberabinha deveria chamar-se “MARAVILHA”. Pois Uberabinha não era uma maravilha? E começou intensa campanha a favor desse nome.

Organizou várias listas de assinaturas pedindo a mudança para Maravilha e distribuiu entre amigos, entre eles d. Maria Monteiro (esposa do dr. Benjamim Monteiro), Geraldinho Carneiro (seu filho), Cláudio Fernandes, D. Iveta Borges Fernandes, Domingos Carata, d. Santina e outros. Uma lista ficou no balcão do Armazém dos Carneiro e outra com o próprio Coronel que colheu mais assinaturas do que todos os outros juntos. Além disso, registrou de próprio punho o apoio das autoridades locais. A lista começava com o Agente Executivo Octávio Rodrigues da Cunha, o Juiz de Direito, o Pároco, o Presidente do Partido “Cocão” (Virgílio Rodrigues da Cunha), o Presidente do Partido “Coió” (Marcos de Freitas Costa) e várias outros.

Espalhou pelos jardins da cidade e por todos os cantos sementes de uma florzinha simples, chamada “maravilha”.

No dia 22 de setembro de 1929 escreveu ao Presidente do Estado, Antônio Carlos, pedindo a mudança. E despachou mais correspondências para políticos influentes, congressistas, chefes de partidos, secretários do governo etc.

Mais para o fim do mês zarpou para a Capital. Queria acompanhar a votação do Projeto de Lei que mudaria o nome da sua “maravilhosa” cidade. Naquele tempo, o Estado tinha Câmara e Senado. Acompanhando o processo em sua passagem pelo Senado, o Coronel encontrou-se com seu velho companheiro, o Senador Estadual Padre João Pio, que, depois dos cumprimentos amistosos, quis saber o que trazia o coronel à capital. Explicado que acompanhava a tramitação de um Projeto que mudaria o nome de Uberabinha, João Pio quis saber qual o novo nome para a velha São Pedro de Uberabinha.

– Maravilha! – respondeu todo orgulhoso o coronel.

João Pio estranhou o nome, tombou a cabeça como quem pensa se fala ou não fala.

Falou.

– Carneiro, você não acha que Maravilha é nome de vaca?

Sacudido pela surpresa, desapontado, o coronel, de pronto não soube o que responder, mas o Senador ajudou.

– Se você tiver um outro nome, eu me proponho a apresentar um substitutivo amanhã mesmo.

Num estalo, o coronel lembrou-se do nome proibido e ali, na hora, passou-o ao Senador.

– No dia 3 de outubro telegrafou para o Presidente Antônio Carlos: “Ontem resolvi propor senadores Camillo e Padre João Pio trocar o nome Maravilha para o de Uberlândia que será apresentada emenda hoje.”

E foi assim que a Lei nº 10.126, de 19 de outubro de 1.929 mudou o nome da velha Uberabinha para Uberlândia, passando pelo grave risco de ser Maravilha.

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