Antônio Pereira – Jornalista e escritor – Uberlândia -MG

O padre Pio Dantas Barbosa (homenageado pela rua Padre Pio) foi figura histórica fundamental da velha Uberabinha. Político, participou da primeira Câmara Municipal, foi um dos apaziguadores do conflito que ameaçou a integridade física do nosso primeiro Juiz, o dr. Duarte Pimentel de Ulhoa e do advogado, vereador e primeiro Agente Executivo, Augusto César Ferreira e Souza. Entre os perseguidores estavam os Pereira e o coronel Severiano Rodrigues da Cunha.
Dizem que cantava bem uma missa e, apesar de algumas práticas não condizentes com o sacerdócio, era querido pela população a ponto de a mesma ter se rebelado contra o bispo de Uberaba, dom Eduardo Duarte Silva, quando o destituiu do comando da paróquia.
O povo ficou tão indignado que o bispo, quando veio fazer a visita pastoral a Uberabinha, após a destituição do padre Pio, recomendou veementemente ao Francelino Cardoso que cuidasse de controlar os paroquianos.
Pois o padre Pio foi um precursor carnavalesco.
No Brasil, antes de 1850, praticava-se o Entrudo no Carnaval. Foi uma brincadeira precursora das festas de Momo. Ele ocorria exatamente nos dias marcados pela Igreja como preparatórios para a Quaresma, uma espécie de “despedida da carne” que, por isso mesmo, foi chamado de Carnaval. O Carnaval com música, préstitos, canto e dança, já existia na Europa há muitos e muitos anos, mas Portugal não nos trouxe o Carnaval alegre e musical, trouxe-nos o Entrudo, uma brincadeira apenas porca. No Entrudo, as pessoas procuravam se molhar e se sujar umas às outras. De preferência, de surpresa. Era gostoso ver o susto de quem levava subitamente uma baciada de água. Eram esguichos, regadores, bacias, seringas, baldes, latas, tudo servia para molhar os outros. Depois do banho, completava-se a brincadeira jogando-se sobre o encharcado, pó de café usado, pó de fuligem, farinhas, serragens etc. Uma sujeira.
Quando a “vítima” escapava da surpresa era perseguido pelas ruas até ser alcançado e devidamente molhado.
Havia uma parte delicada. Eram os limões de cheiro. As famílias, com seus agregados e escravos, passavam dias, antes da festa, fazendo as bolinhas de cera dentro das quais injetavam água perfumada. Depois, chegado o Entrudo, elas se visitavam e, já da porta, começava a batalha dos limões. No fim, todo mundo estava molhado… mas perfumado. O limão de cheiro foi, por certo, o inspirador do lança perfume.
O Entrudo só foi erradicado totalmente, no Rio de Janeiro, nos fins do século XIX, substituído pelo Carnaval moderno com blocos, ranchos, grandes sociedades, escolas de samba, corso, fantasias, lanças, serpentinas e confetes, músicas, cantos e danças. No interior, entretanto, o Entrudo ainda avançou pelo século XX e, no mais profundo sertão, praticava-se a brincadeira do limão de cheiro até o último quartel do século passado. Não sei hoje como anda.
Aqui, as primeiras notícias que tive do Carnaval datam de 1907. Antes disso, havia o Entrudo. E um dos seus mais entusiasmados praticantes foi o padre Pio.
Um mês antes dos três dias carnavalescos, o padre e seus agregados já andavam embolando cera e preparando as águas perfumadas. Já no sábado, ele enchia os bolsos de bolinhas e ia às visitas. Quem lhe abria a porta recebia o primeiro “balaço”.
Pois bem, a criançada do Zeca Major (José de Lelles França), que foi o nosso segundo Agente Executivo (prefeito) já conhecia o costume do padre. Combinaram de pregar-lhe uma peça. Ficaram prevenidos.
Quando ele bateu à porta, os meninos correram a atender. Bolso de padre costuma ser largo e fundo. A batina estava estofada de limões. Abriram e já se jogaram sobre os seus bolsos, de mãos abertas, quebrando todos os limões e atingindo outras partes mais sensíveis e menos convenientes. Dolorido e surpreso, mas bonacheirão, o padre riu da arte. Ficou todo perfumado, com aquelas marcas úmidas, escorridas, como se tivesse feito um “xixizão” nas calças… ou na batina.
Fontes: Maria França de Menezes (filha do Zeca Major)