Antônio Pereira – Jornalista e escritor – Uberlândia – MG
Há mais de cem anos, uma coluna formada pelo 17º. Batalhão de Voluntários da Pátria, saía de Ouro Preto para estacionar em Uberaba, aguardando a chegada de tropas nordestinas que chegariam pelo mar até Santos e, depois, subiriam a pé até o Triângulo. De Uberaba seguiriam pelo sul da região até o Paraguai onde reforçariam, por outro flanco, as forças que subiam pelo rio. Foi a maior guerra daqueles tempos.
O 17º., sofrendo todo tipo de intempéries, moléstias graves como varíola, impaludismo e outras pragas, chegou ao seu destino, fazendo um caminho diferente do que havia sido traçado pelo Alto Comando que era pelo sul do Triângulo. O Batalhão passou por Santa Maria, Monte Alegre e Itumbiara. O comandante, coronel Manuel Pedro Drago, logo depois de saltar o Paranaíba foi destituído e voltou à Corte para ser julgado por alterar o plano. Estropiado pela deficiência de suprimentos, o Batalhão praticou atos heróicos, mas não suportou e teve que retornar construindo uma das mais trágicas epopéias da nossa História, registrada por Afonso d’Escragnolle Taunay na clássica reportagem feita livro “A Retirada da Laguna”.
Em 1967, centenário da Retirada, quem comandou a caminhada do Fogo Simbólico da Pátria foi o general Flamarion que cometeu o mesmo erro do coronel Drago: o coronel desviou-se do Plano e o general desviou-se da História. Lá um dia, chegou à Prefeitura o comunicado de que o Fogo Simbólico da Pátria, saído de Araguari, chegaria a Uberlândia, às 17 horas do dia 12 de junho de 1967. As instruções eram para que se preparasse uma bela festa cívica com desfile, banda de música e o povo na praça. No que tinham razão. Os símbolos da Pátria deviam (e devem) ser recebidos com honraria e respeito, principalmente naqueles tempos em que o civismo começava se tornar coisa rara.
Na época, eu era o Secretário Municipal de Administração, acumulando com a Secretaria de Ação Social que englobava as atuais pastas da Educação, Cultura, Saúde e Ação Social propriamente dita. Nossa população estava em torno de cem mil habitantes e justificava-se o acúmulo – não remunerado. Estranhei muito o Fogo vir de Araguari. Por quê usavam esse trajeto se o 17º. jamais tinha passado por Araguari ou Uberlândia? Tinha saído de Uberaba para Santa Maria (onde os soldados bivacaram defronte à velha igrejinha de N. S. Rosário, que anda cai não cai), dali foram para Monte Alegre e Itumbiara, atravessaram Goiás e entraram em Mato Grosso. O Prefeito era Renato de Freitas que tinha criado a nova estrutura administrativa municipal com a distribuição dos trabalhos por Secretarias específicas. As primeiras foram: Ação Social, Administração, Fazenda, Obras e Turismo.
Renato incumbiu o Secretário de Turismo, Eweraldo Coutinho, de organizar a festa. Por razões diversas, tudo foi arranjado, mas o povo não foi avisado. Renato bufou de raiva. Chamou-me e determinou:
– Convoque todas as Escolas. Já que o povo não está sabendo de nada, vamos encher a praça de meninos.
Lá fui, de escola em escola, municipal, estadual, federal convocando e convidando. No dia seguinte, à hora marcada, palanque armado, autoridades em cima, banda preparada, militares e criançada marchando e balançando bandeirinhas. Daí a pouco chegou a tocha cívica que ficaria no Altar da Pátria, bem no meio do ponto de táxis da praça, defronte ao Banco do Estado de São Paulo, até as sete e meia do dia seguinte. Flamarion ficou irritado quando viu a praça cheia de meninos e, em altos brados, começou a criticar as providências incompletas do Prefeito. Ele queria povo, adultos na praça. Pegou peso. Renato tomou-lhe o braço com energia, aproximou-se de seu ouvido e sussurrou com aquela voz rude de sertanejo enérgico:
– General, eu aceito críticas, mas em termos, viu? Em termos!
Flamarion esfriou e não disse mais nada.
No dia seguinte, ele foi nos visitar. Estávamos no gabinete do Prefeito. Quando foi anunciado, pusemo-nos todos de pé. Homem que não levava desaforos para casa, mas também não guardava rancores, Renato recebeu o general com um sorriso cordato e já nos foi apresentando:
– Dr. Milvar, dr. Paulo… engenheiros…
O general apertava as mãos.
– Dr. Wilson, Secretário da Fazenda, dr. Coutinho, Secretário de Turismo…
O general apertando as mãos.
Foi quando o Prefeito percebeu que estava cometendo um equívoco. Só tinham cursos superiores os drs. Milvar e Paulo de Freitas. Mas ele nunca se perturbava. Voltou-se para o general e consertou:
– Aqui, todo mundo é doutor e, quem não é, fica sendo agora: dr. Espíndola, Secretário de Obras e dr. Antônio Pereira, Secretário de Administração e Ação Social.