Cesar Vanucci *
“A minha grande mágoa / É lá em casa / Não ter água / Eu preciso me lavar.”
(Marchinha carnavalesca de 1950, tendo como autores Paquito e Romeu Gentil)
Colossal encrenca sanitária espreita a Pátria amada Brasil, agravando os efeitos nefastos da pandemia.
Como sabido, os brasileiros somos ininterruptamente bombardeados pela mídia com oportunas e pedagógicas recomendações sobre os cuidados preventivos pessoais e coletivos a serem rigorosamente observados mode que refrear a impetuosidade da contaminação. “Lave sempre as mãos!” – virou mantra, recitado numerosas vezes a cada dia. O saudável procedimento acabou sendo incorporado, com benfazeja obsessão, aos hábitos de muita gente. Muita, mas, porém, todavia, contudo, não de toda gente, como seria de se desejar. E esse indesejável “desacerto” se deve a uma inesperada circunstância. Acontece, prezado leitor, que alguns milhões de patrícios, deixados clamorosamente ao largo das políticas públicas de bem-estar social proporcionadas a muitos neste século XXI de assombrosos avanços tecnológicos, esses milhões de patrícios – repetindo – não dispõem, nas moradias, de água encanada. Não contam, entre os apetrechos de sua sacrificante lida caseira, com torneiras que façam jorrar o líquido indispensável à limpeza das mãos, à higiene corporal e outras rotineiras demandas existenciais. E agora, José? E aí, Zé da Silva, explica pra gente como é que você e os seus estão se arranjando pra atender ao prudente alerta dos órgãos científicos e da saúde pública?
Antes que alguém desavisado ou desinformado sobre os dramas sociais espalhados por aí levante a hipótese de estar havendo algum exagero na estimativa, linhas atrás, dos números dos “sem água”, cuidemos de ouvir o que têm a dizer órgãos qualificados a respeito dos serviços de água potável à disposição da comunidade brasileira. De acordo com o “Instituto Trata Brasil”, fundamentado em pesquisas nacionais de saneamento básico promovidas por acatadas instituições, entre elas o IBGE, quase 35 milhões de brasileiros não dispõem de acesso aos sistemas de abastecimento de água tratada. Em 2016, uma em cada sete mulheres brasileiras e um em cada seis homens não tinham água tratada em suas habitações.
Outras (dolorosas) constatações: ● 14,3 por cento das crianças e adolescentes do país não têm acesso à água; ● 6,8% das crianças e adolescentes não contam com o sistema de água dentro de suas casas; ● Só 27 municípios dos cem mais populosos garantem, hoje, atendimento com água potável a 100 por cento da população; ● 7,5% das crianças e adolescentes têm água em casa, mas não filtrada ou procedente de manancial confiável.
As desigualdades regionais nos padrões de conforto e bem-estar afloram também no caso da água tratada. Vejam só esses dados. No norte, 57,05 por cento da população são beneficiados com o abastecimento de água tratada. No nordeste, o indicador é de 74,21%. No centro-oeste, de 88,98%. No sudeste, 91,03%, no sul, 90,19%.
Cá estão outros indicadores que oferecem matéria farta para avaliação e discussão. Ao distribuírem água para cobrir as necessidades de consumo, os sistemas operacionais existentes registram perdas significativas na distribuição. A média nacional das perdas é de 38,45 por cento. A água potável perdida todos os dias por distribuição ineficiente dá para encher 7 milhões e 100 mil piscinas olímpicas. Os índices das perdas havidas por região são esses aqui: norte, 55,53%; nordeste, 45,98%; centro-oeste, 35,67%; sul, 37,14%; e, por último, no sudeste, o desperdício de água antes de chegar às residências abastecidas é de 34,38%.
No tocante a “águas subterrâneas”, o volume extraído nos poços abertos, de 17,580 Mmᶟ/ano, é suficiente para abastecer toda a população brasileira por um ano. Dezoito por cento da água subterrânea são utilizados para abastecimento público urbano. Os custos envolvidos na perfuração e instalação de poços tubulares somam mais de R$75 bilhões. Tal valor – e isso carece ser devidamente avaliado por especialistas – equivale aos investimentos de seis anos e meio feitos pelo Brasil em serviços de água e de esgoto.
Existem, espalhados pela vastidão territorial brasileira, mais de 2,5 milhões de poços tubulares, 88% clandestinos. Mais de cinco mil e quinhentos municípios são abastecidos por águas subterrâneas. E tem mais essa informação: cerca de 6 mil áreas de aquíferos e águas subterrâneas estão contaminadas no Estado de São Paulo.
As mesmas fontes informativas nos “abastecem” com dados igualmente estarrecedores sobre o serviço de coleta de esgotos.
Depois eu conto, como diria, em idos tempos, Jacinto de Tormes, ou Ibrahim Sued, um deles.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)