Shyrley Pimenta
Como se caracterizam as interações na família do usuário de drogas?
Compreender uma doença psíquica, qualquer que seja ela, implica em situar o doente no sistema familiar, emocional e ambiental do qual faz parte.
Freud, o pai da Psicanálise, já nos advertia sobre as experiências vividas na relação pais-filhos. As figuras parentais (pai, mãe, outros…) podem se colocar para a criança como objetos de crescimento ou de não-crescimento, de passagem em direção à maturidade ou de regressão narcisista (desagregação, doença).
Numerosos estudos e pesquisas formularam hipóteses, posteriormente validadas, de que a doença psíquica do sujeito nada mais é do que um sintoma de um sistema familiar doente. Dessa forma, podemos afirmar que a dinâmica da família, a interação entre seus membros, contribuem para o estabelecimento da saúde ou da doença.
Alguns autores assinalam certas características, consideradas saudáveis na família. Entre elas, o que chamam de interações circulares, que se distinguem das verticais. A circularidade na família tende ao diálogo, à harmonia, ao consenso, enquanto na interação vertical predomina o arbítrio, o poder, o autoritarismo de um dos membros, na base do: fulano falou, a água parou.
Outro sinal de saúde no grupo familiar é a existência de regras e normas, previamente discutidas, aceitas e…respeitadas.
Por outro lado, a vida familiar patológica, doente, pode ser comparada, afirma a psicanalista Carneiro Uchoa, a uma orquestra desafinada, em que cada membro toca seu instrumento num tom diferente, sem chegar nunca a uma melodia harmônica, agradável aos ouvidos.
Vejamos como funciona, por exemplo, a família do usuário de drogas: o fato de um de seus membros ser drogadito (usuário de drogas) já testemunha o disfuncionamento desse sistema familiar . Normalmente, a família é a última a saber, ou seja, leva tempo para descobrir o fato. A revelação (do fato) incomoda o núcleo familiar, pois atrapalha o mito (a falsa crença) da harmonia, até então reinante. O usuário de drogas passa a exercer no seio da família uma função unificadora – uma espécie de bode expiatório, tornando-se útil, adequado e necessário a esse funcionamento familiar doentio.
A forma de comunicação, nesse relacionamento familiar patológico, afirma Uchoa, é caracterizada como dupla, contraditória. Essa comunicação contraditória muitas vezes se faz acompanhar de ameaças que nunca se concretizam, o que leva ao descaso, à indiferença quanto ao castigo, à sanção.
Segundo Uchoa, as pesquisas também constataram a fascinação de muitos pais, mães e outros familiares, pelas drogas e pelas condutas desviantes (alcoolismo, fumo, psicotrópicos, etc.). Quando a lei social é negligenciada pela família (pais, tios avós) seja através de fraudes, roubos, violência – os jovens não interiorizam a lei social e, por sua vez, também se tornam transgressores.
Observações clínicas de jovens usuários de drogas constatam tais condutas transgressoras, repetidas de geração a geração.
Em nossa sociedade, as transformações operadas no contexto familiar (desemprego, emancipação feminina, luta pelo poder entre os sexos) dificultam ao adolescente encontrar sua própria identidade social, sexual e profissional. O encontro do jovem com a droga muitas vezes é o sintoma do modo patológico e destrutivo de viver da sua família de origem. Reconhecer isso significa tratar, não apenas o usuário de droga, mas estender também a essa família doente o processo terapêutico.
*Psicóloga Clínica – Uberlândia – MG