Antônio Pereira da Silva*

Durante os finais dos anos 80 do século passado, o jornal “O Triângulo” manteve uma coluna saborosa, irreverente, corajosa, a “Coluna do Baía”. O Baía (sem agá) era um árabe divertido que, embora casado, adorava um bas-fond. Fazia uma fotografia micromisada da vida de gente importante, dos humildes e dos boêmios. Muitas crônicas suas foram reunidas pela profa. Jane de Fátima e publicadas em livro em razão do seu valor como memória irreverente da cidade.
Guardei as crônicas publicadas e, quando o jornal parou de publicá-las, fui lá e peguei o maço daquelas que aguardavam o momento de saírem. Guardei-as também.
Resolvi recontar esta historinha usando o título dado pelo Baía. Ele era eletricista e estava fazendo consertos nas instalações da casa da Mariquinha Cobra. Famosa caftina. Era mulher bonita, grande administradora de bordel, mas analfabeta. Seu apelido era Cobra porque seu marido ganhara uma fortuna no jogo de bicho apostando na cobra. Montou até negócio usando o nome do bicho: “Casa Cobra”. A Mariquinha, não sei por que, deu um tchau pra ele e montou sua casa ali no miolo da cidade. Nos arredores da praça Ruy Barbosa e rua Santos Dumont. Casa bem frequentada por cidadãos importantes da cidade e região. A Cobra exigia comportamento das mulheres. Nada de ficar se abrindo, nem andando pelas ruas à toa. Quando saiam novidades da moda, os lojistas iam lá mostrar e a mulherada comprava (no artigo original, o Baía, cita o nome dos lojistas). Não permitia que elas fossem à cozinha. Eram servidas nas mesas que havia na sala: nove.
Nesse dia, chegou à casa da Mariquinha uma mulher com jeitão caipira acompanhada de uma meninota e perguntou ao Baía se era ali a casa da dona Mariquinha, se ela estava, queria falar com ela. O Baía parou o conserto e foi lá dentro chamar a caftina que lhe perguntou: é família ou é mulher? É família. A Cobra foi lá.
– Ói, dona Mariquinha (disse a mulher), eu sou a Geroma, muié do Astolfo, seu amigo, que me mandou aqui mode a senhora arrumá home pra essa moça que manerô a cabeça, então eu queria que a senhora arrumasse um lugar pra ela aqui, diz que é uma casa muito boa, diz que vem muitos homes, a moça já manerô a cabeça mesmo, não vai casar, então tem que arrumá futuro enquanto é nova, a senhora não acha?
Mariquinha perguntou quantos anos a menina tinha.
– Tá berano os quatorze.
Mariquinha desconversou: Olha a casa tá cheia, não tenho lugar, a senhora espera ela pegar mais idade. Aí, sim.
– Cumé quieu faço, dona Mariquinha? O Astolfo não qué fia perdida em casa.
Mariquinha sugeriu emprego em casa de família.
E lá se foi a Geroma, buscando trabalho, qualquer um, para a fia perdida.

*Jornalista e escritor – Uberlândia – MG