Ana Maria Coelho Carvalho*
Apareceu logo um comprador interessado na fazenda Olhos D’Água. Depois de muita conversa, cada um puxando para o seu lado, tipo cabo de força, conseguimos fechar o contrato de compra e venda. Fiquei indignada com o fato de que na venda de fazenda é praxe entrar algo de graça. Como assim, por que isso? Queriam o trator novo. Entrou um caminhão velho, mas bom demais. Além dos acordos, da parte técnica e das lembranças, surgiram outros problemas. Por exemplo, o que fazer com a vaca da Lia e o boi do Enzo? E com o Cookie, o perdigueiro que ninguém queria? E com os cavalos dos doze netos? E com todo o maquinário (equipamentos) da fazenda, que eu não sabia nem o nome e nem pra que servia? E isso sem falar na trabalheira e desgaste para avaliar e vender todo o gado.
Começando pela vaca, a Daisy (Margarida, em português). A Lia, minha netinha americana de 10 anos, economizou a sua mesada e vendeu bolo e limonada para conseguir comprar uma novilha do Zé (dar, ele não dava, todo neto iria querer). A Dayse foi marcada com o nome “Lia” e foi crescendo forte e saudável. Quando a Lia soube que a fazenda seria vendida, entrou em desespero. Consolei-a dizendo que levaria a Daisy para outra fazendinha. Em janeiro agora, a Lia estava na fazenda comigo e planejamos o transporte da Daisy, dos cavalos Pocotó e Picolé e de duas vacas bonitonas pra fazerem companhia pra Daisy. E do boizão também, aquele que não entrava no caminhão, queríamos salvá-lo. Mas, se ele não entrava, como iria? A pé era longe. No final, deu tudo errado, pois não morava ninguém na fazendinha e ficamos preocupadas de todos morrerem ou serem roubados. Assim, pedi ao senhor que comprou a fazenda para deixar a Daisy lá mesmo e ele concordou, dizendo que cuidaria bem dela. Agora a Lia está feliz, esperando os bezerros nascerem.
Quanto ao boi do Enzo, o irmão de 12 anos da Lia, aconteceu uma tragédia. O Enzo cortou grama dos vizinhos, lá na Califórnia, varreu folha das calçadas, economizou e comprou um garrote do Zé. Também foi marcado com o nome “Enzo” em letras grandes, então era inconfundível. Em setembro, quando passou no brete e na balança, já pesava 349 kg. Em novembro, estava separado dos outros, em recuperação de um pé machucado. O Enzo logo disse que queria era o dinheiro do boi (nem nome ele tinha). Em janeiro, o Enzo também estava na fazenda na época da venda. Acompanhou todos os lotes de gado sendo pesados, para ver quanto receberia pelo boi. Em dois dias, passaram todos pela balança: boi gordo, boi magro, vaca leiteira, vaca boiadeira, vaca solteira, garrotes, novilhas, etc. Mas o boi do Enzo não passou. Consternação geral. Onde estaria? Saíram todos os funcionários procurando. Foi encontrado morto, mortinho, perto de uma cerca. Comentei com a Lia que fiquei triste pelo Enzo. Ela respondeu que ficou triste pelo boi.
Quanto aos cavalos, foi uma negociação extenuante. O comprador não tinha interesse por eles porque já tinha muitos. Disse também que cavalo valia muito pouco. Pra mim, valiam ouro. Eram úteis, usados na fazenda e cada um era de um neto. O Botafogo, o Alazão, o João de Barro…Senti vontade de libertá-los todos na fazendinha que restou. Mas não teria ninguém para cuidar e acabei vendendo baratinho, uma dó. Distribuí o dinheiro para os netos e eles se sentiram consolados. Quanto ao Cookie, foi levado para uma fazenda de eucaliptos, não sei se já se adaptou e se anda devorando todas as galinhas de lá.
E os maquinários, meu Deus! Tive que fazer uma lista enorme com o nome e o valor de cada um, para negociar com o comprador. O encarregado da fazenda mostrou tudo e o filho médico ajudou a colocar os preços. Tenho um irmão que sempre diz que qualquer pessoa é extremamente inteligente para certas coisas e extremamente burra para outras. No que sou inteligente eu não sei, mas para maquinários de fazenda sou um desastre. Não sabia que existia plantadeira de capim, calcareador, grade de arrasto, subsolador, trado de três hastes, ensiladeira, roçadeira de arrasto, rocadeira de tomada de força, niveladora. Isso só para dar alguns exemplos. Tinha alguns bem velhos, sucatas, que só serviriam para retirar peças e não entraram na lista. Como o canhãozinho ou foguetinho (esqueci para que serve, mas não é para atirar). Enorme, enferrujado e abandonado debaixo de uma árvore. A negociação foi complicada e sei que levei prejuízo, fazer o que. Deu vontade de “chutar o balde”, como dizem…
E ainda tinha o gado, o mais importante. Combinar o preço da arroba do boi gordo, do magro, das vacas, dos bezerros. Pesar, somar as arrobas, multiplicar pelo preço, ver como vender vaca com bezerro, o que fazer com os bois de pés machucados. Vendemos a arroba pelo preço do dia e dali a poucos dias estava muito mais caro…Sorte do comprador.
Enfim, lá se foi a Fazenda Olhos D’Água. Ficou aquela sensação de não ter se despedido direito de uma coisa que você não tem mais e que queria ter. Mas quando uma porta se fecha, outras se abrem. Se Deus me ajudar, vou transformar a fazendinha que restou, a Ouro Verde, em um paraíso ecológico banhado pelo rio Jequitai. Lá não tem nada, só uma cisterna desbarrancada e uma casa que caiu. Precisa levar energia e água, construir uma casinha branca de janelas azuis, limpar o pasto. Quando tudo estiver pronto, levo a Daisy e umas outras vaquinhas pra fazer companhia pra ela. E um boi de raça, gabiru não.
Depois conto como foi.
*Bióloga – Uberlândia – MG – anacoelhocarvalho@terra.com.br