Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados lançou relatório da atuação de apoio à população da Etnia Warao, em Uberlândia e outras nove cidades das regiões Sul e Sudeste do Brasil

Situação de emergência humanitária na Venezuela é tida como o principal motivo para vinda dos Warao ao Brasil. (Foto: PARES Cáritas/Luciana Queiroz)

A parceria entre a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), para a implementação da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) foi firmada em 2020. O projeto é voltado para promover ensino, pesquisa e extensão sobre os refugiados, sob responsabilidade do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Direitos Humanos (Nupedh), no Instituto de Economia e Relações Internacionais (IERI), que articula ações e parcerias, institucionais e interinstitucio nais para o fortalecimento da rede de proteção internacional ao refugiado.
No último mês, o Acnur publicou o relatório “Atuação do Acnur juntos às redes locais em apoio à população indígena Warao no Sudeste e Sul do Brasil: boas práticas e lições aprendidas”. Na publicação foram divulgadas boas práticas e lições aprendidas na busca de integração para essa população no Brasil. Ela é considerada duplamente vulnerável, pelo fato de ser indígena e refugiada. A UFU e os núcleos e grupos de estudo que compõem a CSVM, foram apontados, sob reconhecimento da ONU, como atores relevantes na garantia do acesso a direitos e serviços para a população.
A professora Marrielle Maia é propositora da iniciativa e coordenadora local da CSVM na UFU. Segundo ela, a divulgação de boas práticas é importante, visto que os refugiados são pessoas que fogem dos seus países de origem em razão de graves violações de direitos humanos. E muitos deles têm como destino o maior município do interior de Minas Gerais. “Uberlândia não é o principal destino dos refugiados no Brasil, mas é uma cidade de passagem. Na mobilidade, algumas pessoas e famílias permaneceram aqui. Isso faz com que, em razão de reunião familiar ou redes de contato, ela passou a receber um número maior de refugiados”, informa.
O trabalho diário da proteção e integração do povo Warao é empreendido pela sociedade civil, do poder público, de universidades e organizações internacionais. O interesse e envolvimento de Maia neste projeto, por exemplo, partiu das ações continuadas que a UFU já desenvolvia, antes da parceria, por meio de seus núcleos e grupos. “Alguns exemplos são a oferta do Português como língua de acolhida e assistência jurídica, que já atendeu desde demandas de regularização de documentação até – e infelizmente – denúncia de trabalho análogo à escravidão”, comenta.

Cátedra Sérgio Vieira de Mello possui este nome em homenagem ao brasileiro que foi funcionário da ONU e dedicou parte da sua vida às causas da população refugiada. (Arte: Acnur/Divulgação)
Conforme o relatório divulgado pelo Acnur, o deslocamento forçado de povos indígenas gerou um fluxo gradual para o Brasil, sobretudo a partir de 2014. A situação é decorrente, principalmente, da emergência humanitária na Venezuela. Os primeiros estados habitados foram Roraima e Amazonas. Em 2020 e 2021, novos grupos são identificados na região Sul do Brasil. Até o mês de março, o Acnur estima que cerca de 5.800 refugiados e imigrantes indígenas venezuelanos estavam no Brasil, sendo mais da metade pertencentes à etnia Warao.
As demandas de primeira necessidade relativas a alimentação, abrigamento, saúde e apoio ao desenvolvimento de meios de subsistência são supridas por meio do projeto do Acnur, que visa a garantir, ao menos, os direitos básicos para essa população. “Chegam, muitas vezes, sem posses, sem documentação, sem moradia, sem conhecer a língua e os espaços da vida social do lugar, sem acesso à comunicação/internet, sem conhecer os direitos que têm. Com isso, essas pessoas precisam de suporte para se integrarem”, relata a coordenadora do projeto na UFU.
Maia aponta que a crise instaurada pela pandemia da Covid-19 veio a limitar o acesso a alguns serviços, como a emissão de documentos de identificação, que é essencial para iniciar um novo trabalho ou requisitar alguma seguridade social. “A Polícia Federal e a Secretaria do Trabalho suspenderam o atendimento presencial. Instituições de Ensino, Organizações da Sociedade Civil, movimentos sociais, grupos religiosos que possuem ações de assistência foram afetados com as medidas de isolamento e com a redução de recursos de toda natureza. Ou seja, a pandemia potencializa as dificuldades de acesso tanto à moradia, quanto à educação, à saúde e ao trabalho. Enfim, de uma vida digna”, sintetiza.

Levantamento sobre o perfil das famílias Warao demonstra que mais de 50% dos membros são crianças e adolescentes. (Arte: Acnur/Divulgação)
Outro destaque do relatório do Acnur foi o mapeamento dos grupos Warao que chegaram às regiões Sudeste e Sul. Segundo a pesquisa, mais da metade dessa população é formada por crianças e adolescentes, com proporção de homens pouco acima da de mulheres. Diante disso, uma série de atividades conjuntas têm sido desenvolvidas, com diversos núcleos da UFU ampliando os serviços oferecidos voltados à população Warao e, também, para outros povos em situação de refúgio e migração.
As vulnerabilidades dos refugiados e os aspectos culturais poucos conhecidos pelos brasileiros, conforme Maia, ainda são o maior empecilho para a questão. A xenofobia é o nome usado para se referir ao sentimento de hostilidade, repúdio e ódio contra pessoas estrangeiras ou de culturas diferentes. “É fruto do desconhecimento sobre o outro, acompanhada de estereótipos que reforçam preconceitos. O enfrentamento da xenofobia precisa de inúmeras estratégias políticas, legislativas e educacionais. A universidade é um espaço fundamental e um ator relevante na produção de conhecimento e tecnologias sociais importantes para soluções para essa e outras questões que têm como preocupação a integração e soluções duradouras para refugiados e migrantes forçados”, explica.
Atualmente, a UFU está acompanhando sete famílias Warao. Em reuniões periódicas, são buscadas soluções de longo prazo para suas necessidades específicas. São prestados auxílios de regularização documental, garantia de acesso a benefícios socioassistenciais, elaboração de estratégias de geração de renda e a garantia do direito à educação das crianças. “Boa parte dessas soluções não beneficia somente os destinatários diretos, que participam da construção das soluções, mas toda a população migrante e a sociedade em geral”, reitera Maia.

Nesse contexto, a publicação também traz um Modelo de Plano de Ação Emergencial, composto por três eixos principais: realização da análise de proteção do grupo; encaminhamentos imediatos aos órgãos responsáveis para medidas socioassistenciais e de saúde; e elaboração de estratégias de proteção e integração local. O objetivo é, a médio e longo prazos, propiciar a permanência breve ou prolongada dos refugiados na cidade.
Nas palavras de Sérgio Vieira de Mello, que é reconhecido mundialmente pela promoção dos direitos humanos e que deu nome à iniciativa, “o desenvolvimento humano é o processo de alargamento das escolhas dos indivíduos, proporcionando a cada um a oportunidade de tirar o melhor partido das suas capacidades: viver uma vida longa e saudável, adquirir conhecimentos e ascender aos recursos necessários para um nível de vida decente”. Para Maia, a mensagem está em consonância com o papel da UFU de, por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, formar cidadãos comprometidos com a ética, democracia e transformação social.
A atuação da UFU, para contemplar todas especificidades do projeto, além das articulações do Nupedh, se dá também na Assessoria Jurídica para Estrangeiros em Situação Irregular ou de Risco (Ajesir), no Grupo de Estudos e Pesquisa em Migração, Saúde e Trabalho (Migrast), no Núcleo de Francês e Literaturas de Língua Francesa (Nuffli), no Escritório de Assessoria Jurídica Popular (Esajup), na Clínica de Enfrentamento ao Trabalho Escravo (Cete), no Centro Brasileiro de Estudos em Direito e Religião (Cedire) e na iniciativa “Todas por Ela”. Confira, abaixo, o relatório divulgado pelo Acnur e o vídeo da cerimônia que deu início à iniciativa da CSVM na UFU.