Audiência pública discute os 20 anos do Estatuto da Cidade
Debatedores falam em Lei Orgânica do município, Plano Diretor, ação privada na ocupação do solo e áreas irregulares em Uberlândia
Fonte: Departamento de Comunicação (Emiliza Didier)
A Câmara de Uberlândia promoveu, na tarde desta quarta-feira (21), a audiência pública intitulada “Direitos Humanos e Sociais no Estatuto da Cidade”, uma iniciativa da Comissão de Direitos Humanos, Sociais e do Consumidor que propôs a discussão dos 20 anos do Estatuto da Cidade, regido pela Lei Federal 10.257/2001, com especialistas do tema: acadêmicos e jurista. A mesa foi formada pela presidente da Comissão na Casa, vereadora Liza Prado (MBD) e pela relatora, vereadora Amanda Gondim (PDT).
Na leitura inicial da pauta, Liza Prado destacou o objetivo do evento, que foi o de reforçar a importância do estatuto enquanto direcionador das políticas urbanas brasileiras e relacioná-las com os direitos humanos e sociais, bem como discutir a influência da regulação no município de Uberlândia, “entendendo suas limitações e projetando novas mudanças”.
Na oportunidade, Amanda Gondim disse que o direito à cidade é uma das pautas prioritárias de seu mandato e explicou a temática da audiência: “dentro dessa perspectiva de concretização e efetuação desses direitos, nós trazemos a questão do Estatuto da Cidade e seus 20 anos e como aplicar direitos sociais na construção de cidades mais justas, resilientes e que, de fato, possam ter uma gestão participativa, democrática, realmente com as expressões diversas da cidade que são compostas pela sua população”.
A membro da Comissão, vereadora Thais Andrade (PV), também participou da audiência e disse ser importante implementar políticas públicas e de se pensar em cidades sustentáveis relacionadas aos direitos humanos, trabalhando todas as perspectivas de segurança para públicos específicos como pessoas idosas, pessoas com deficiência, jovens e imigrantes.
O professor, mestre em Geografia e coordenador do Laboratório de Geografia e Educação Popular, vinculado ao Instituto de Geografia da UFU, Falcão Vasconcelos, foi o primeiro palestrante, lembrando aos participantes que o Estatuto da Cidade, também chamado de Estatuto do Município, levou 13 anos para ser construído até ser aprovado em 2001. O acadêmico disse ser importante discutir também a Lei Orgânica do Município, que no dia 05 de junho completou 31 anos de existência, para ver o que vem sendo cumprido pelas pessoas jurídicas e pelo poder público.
Sobre a cidade de Uberlândia, Vasconcelos apresentou números: dimensão territorial de 23 mil hectares, o que disse ser incompatível com a população que tem. A despeito dos 700 mil habitantes, a cidade poderia abrigar 1,5 milhão de pessoas. Em outra dimensão, ele afirmou que a cidade possui de norte a sul 18 km de distância e de leste a oeste, 20 km. “Tem uma população muito pequena em comparação ao tamanho territorial”, afirmou.
O professor seguiu as explicações agora sobre o plano diretor, explicando que o instrumento deve cumprir as funções sociais da propriedade. Um comparativo sobre Uberlândia, ele disse que a cidade possui atualmente 40 mil lotes sem presença humana ou de atividade econômica em seus espaços, configurando uma espécie de especulação imobiliária, contudo, a propriedade não é valorizada na planta para o devido pagamento de IPTU. “Aqui em Uberlândia não se paga o devido IPTU, quanto mais tem edificação, quanto mais valorizada é a área, relativamente menos IPTU paga”, reclamou, considerando que os menos abastados pagam mais e os isentos não conseguem o benefício em decorrência da burocracia exigida.
Vasconcelos ainda pontuou a gestão e o planejamento participativo como outro ponto importante do Plano Diretor. Para ele, as determinações precisam apontar para o que estabelece a Lei Orgânica Municipal criada em 1990 e atender às diretrizes da política urbana estabelecida no Estatuto da Cidade, quais sejam a promoção da justiça social mediante ações que visem a erradicação da pobreza e a inclusão social qualificada com elevada qualidade de vida, destacando-se a redução das desigualdades sociais e da segregação socioespacial.
Sobre a função social da propriedade, o geógrafo destacou que ela é cumprida mediante o pleno desenvolvimento de sua função socioambiental, sendo utilizada em prol do bem coletivo, na segurança e bem-estar do cidadão, bem como o equilibro nacional se atende nas exigências no plano diretor. “A terra não atende devidamente as necessidades das atividades econômicas produtivas nesta cidade, muitas vezes”, disse, referindo-se a Uberlândia.
A doutora em Arquitetura e Urbanismo pela USP e Pró-reitora da Assistência Estudantil da UFU, Elaine Saraiva Dra Elaine, também foi convidada para o debate e salientou que o Estatuto da Cidade é reconhecido como um dos marcos de planejamento urbano no Brasil, sendo a lei mais inovadora nas políticas urbanas, uma vez que superou o recorte setorial de habitação, saneamento, transporte e trânsito e integrou com aspectos de uso e ocupação do solo. “Antes se discutia fragmentos da cidade, com o Estatuto da Cidade passou-se a entender a cidade como organismo único e essa, talvez, seja a grande a revolução que o Estatuto da Cidade nos trouxe”, sublinhou.
Ela acrescentou que a Lei Federal 10.257/2001 buscou cumprir o que já preconizava a Constituição Federal nos artigos 182 e 183, que tratavam de uma política urbana, se transformando em política de Estado que velasse pela preservação do meio ambiente de forma equilibrada e sustentável.
Saraiva disse também que as políticas do Estatuto criaram a principal ferramenta e uma das mais importantes políticas de urbanização brasileira, que é o Plano Diretor, cuja função é criar zoneamento, identificar as áreas, os equipamentos e infraestruturas existentes e planejar o crescimento e consolidação da cidade de forma equilibrada, dando acesso à população, cumprindo a função social como princípio de dignidade humana.
Outro dispositivo do Estatuto da Cidade, elencado pela especialista, é a participação social, que pode trazer informações que gestores e equipe de planejamento não têm acesso.
O advogado e pesquisador de direito ambiental, urbano e imobiliário, Franco Cristiano da Silva, falou na condição de jurista. Ele foi lembrado por Liza Prado como quem propôs a discussão por se tratar de um tema importante que tem como ator principal a área privada na construção das cidades. Silva afirmou que o urbanismo é criado pelo mercado imobiliário. “O urbanismo hoje é essencialmente privado, quem constrói a cidade, de fato, são os grandes projetos de parcelamento de solo, os grandes loteadores, grandes incorporadores”, afirmou, explicando que a constatação se dá pela convivência na área.
O advogado teve uma participação provocativa ao debater que as grandes loteadoras direcionam as cidades e acabam tendo uma visão privatista do uso da terra. “O poder público, em termos constitucionais e legais, é quem detém, de fato, a prerrogativa do parcelamento do solo e da ordenação do espaço público urbano, mas, de fato, quem faz as cidades são os grandes projetos imobiliários”, reiterou.
O motivo, segundo Franco Cristiano, é que a estrutura do poder público não é de uma secretaria de planejamento, mas de secretaria direcionada, exclusivamente, à aprovação dos projetos urbanísticos. Ele acredita que essa prática apresenta agravantes em duas frentes: uma em facilitar o domínio da área privada na ocupação dos espaços públicos e outra na ineficiência dessas secretarias que, por não estarem munidas e respaldadas com equipes técnicas habilitadas (arquitetos, engenheiros e advogados especializados) muitas vezes demoram até três anos para aprovar um projeto de loteamento. “Em que contribui para formação das cidades? A meu ver, nada”, refletiu.
A vereadora Liza Prado fez algumas reflexões sobre a condição urbanística de Uberlândia, afirmou que 20% da área da cidade é de construções em situação de irregularidade e no Brasil 50% dos imóveis têm algum aspecto irregular. Só no bairro Dom Almir, a vereadora afirmou que 2.200 pessoas não têm documentação completa, em outra área da região milhares de pessoas (cinco mil) não possuem documentação efetiva e disse estar trabalhando junto à Comissão de Meio Ambiente para ajudar a regularizar essa situação. Outras irregularidades, ela disse que tem verificado em loteamentos no bairro Tocantins, Taiamã, Assentamento Maná e Santa Clara.
A vereadora Cláudia Guerra (PDT), presente na audiência, disse que tem visitado comunidades que vivem problemas com a regularização residencial nos bairros Dom Almir, Tocantins, Morada Nova e Prosperidade, algumas delas sofrendo cortes de água. No caso do Assentamento Maná, ela constatou que, em uma rua, todas as casas estavam com documentação regularizada junto à prefeitura, mas as últimas casas não, estão irregulares. “É realidade que pode ser vista e o poder público tem muito a fazer”, opinou, acrescentando que, em período de pandemia, a regularização “impactaria de modo muito positivo na qualidade de vida dessas pessoas”.