*Marília Alves Cunha
Foram apenas 17 anos entre um grito alegre, meio gemido pela dor do parto e um lamento doloroso e confuso pela perda: “minha menina nasceu” – “minha menina se foi”… Muitas vezes perguntei: se o tempo foi tão curto e abalroado por grandes tristezas, melhor seria não ter existido? Como suportar o escuro, depois do meu raiozinho de luz? Como ficar no vácuo, depois de tanta esperança a confortar meus dias, como se fosse multidão de borboletas luminosas a rodear o vazio? Como continuar a jornada num caminho tortuoso, marcado de ausência, solidão e sombra? Melhor seria não ter existido o tempo de luz?
O coração responde sempre: valeram os 17 anos. Quão mais inglória e inútil teria sido a vida sem aquele pedaço, entre o nascer e o morrer. Sem aquela existência curta, ao mesmo tempo imensa, como só podem ser imensas pessoas feitas para a eternidade, sem muito tempo para os pequenos desastres e as tolices terrenas.
Viver sem aqueles 17 anos? Pobreza, Deus!
Sem aquele sorriso de dentinhos perfeitos, sempre disposto a se abrir, mesmo na dor;
Sem aquele olhar manso que me penetrava fundo, como a brincar de não dizer palavras, como a querer provocar dúvidas e embaraços;
Sem aquela profusão de beijos que se alternavam com abraços demorados, abraços + beijos, química gostosa, gosto pela carícia;
Sem a palavra doce a dizer mamãe, repetidas vezes mamãe, como a procurar refúgio quando o mundo parecia mau;
Sem a quentura de um corpinho magro a procurar o meu, nas noites mal dormidas;
Sem poder consolar o choro sentido da criança machucada que a vida muitas vezes não poupou nem desculpou;
Sem a mão a se agarrar na minha, como se a minha fosse porto seguro a garantir calmaria e bons tempos depois da tempestade;
Sem o “eu te amo” dito baixinho, quase inaudível, que balançava minhas estruturas e derretia um coração;
Sem aqueles momentos de esfuziante alegria, quando baixava uma trégua. Aproveitar era preciso, sorver todo o gosto da vida, pular, movimentar-se, inspirar e expirar fundo, rir tão alto e tão gostoso que até a natureza em volta respondia, se balançando toda…
Prazer nas brincadeiras com o cachorro, prazer em andar na chuva, prazer em vestir uma roupa nova, prazer em dançar no carnaval, prazer em brigar com os irmãos, prazer nas águas da piscina, prazer em ganhar um presente ansiosamente aguardado, prazer em ir a escola, prazer em soprar as velinhas nos poucos aniversários, prazer em jogar e ganhar, prazer em banho de cachoeira, prazer em ouvir músicas prediletas, prazer no vestir-se de sol em tardes quentes, prazer em amar um menino por breves momentos, prazer em experimentar emocionada beijos e afagos apaixonados, prazer na presença e sorriso das amigas, prazer no aconchego da família, prazer em comer brigadeiro. Prazer em tudo que pudesse ter gosto de vida, naqueles pequenos espaços dourados nos quais o sol não se escondia.
Minha menina linda, foi um prazer tê-la conhecido e tê-la amado. Viver sem aqueles 17 anos? Pobreza, Deus!
*Educadora e escritora – Uberlândia – MG
Papai do céu empresta-nos um ser para amarmos e criarmos, até o momento em que Ele percebe já termos cumprido a nossa missão e aquele pequeno ser a dele.Eu e a minha esposa passamos por essa mesma experiencia, trágica em todos os sentidos, mas hoje somos gratos a Deus pela graça da nossa aceitação, entendimento e fé.Força, amiga!