Marília Alves Cunha – Educadora e escritora – Uberlândia – MG
De acordo com um antigo mito grego, na entrada da cidade de Tebas havia uma esfinge que observava atentamente cada viajante que por ali passava e apresentava a ele um ultimato: “Decifra-me ou te devoro”. Àquele que se deparava com a esfinge, restava tentar decifrar o enigma ou pagar com a própria vida. Quem poderia derrotar tal esfinge, que a tantos molestava e tantas vidas tirava? E da qual todos tinham medo?
Um dia chega à cidade um tal de Édipo. Soube que a cidade estava à mercê da esfinge, pois o rei havia morrido e a esfinge continuava a ser o monstro que devorava a todos que não resolvessem seu enigma. Édipo enfrentou o monstro, respondeu corretamente a duas questões propostas e assim a derrotou: resolvido o quesito do enigma, consequentemente, a questão do monstro devorador.
Mas estamos no Brasil, esta terra maravilha que Deus entregou-nos para que fizéssemos dela bom uso. Para que usássemos nossa inteligência, racionalidade e bom gosto e a fizéssemos um paraíso maior ainda que o que nos fora dado. Para que fossemos possuidores zelosos de um dos lugares mais bonitos e ricos do planeta e vivêssemos aqui, felizes para sempre. E estamos nós, brasileiros, nascendo, procriando e vivendo nesta terra há longos 524 anos. Bastante tempo. E errando muito. Vamos perdoar um pouquinho os nossos erros, afinal tivemos uma colonização nada edificadora… Mas paremos de chorar pitangas a vida inteira, sempre culpando os outros pelo nosso fracasso.
Temos, há algum tempo, uma esfinge a nossa frente, querendo nos devorar. Diferentemente da de Tebas ela não nos questiona. Ela apresenta problemas e soluções e espera um gesto nosso: um acenar sim ou não, um pequeno gesto de aprovação ou o furor da desaprovação, observando nossas reações para dar passos à frente. O gesto não vem, as vozes se calam, o medo instala-se. E esta inação, esta falta de gestos, esta voz calada, impele a esfinge a devorar-nos gulosamente, cada vez mais, como está fazendo.
Poderíamos ter uma representação de Édipo a nos proteger, a falar por nós, a dizer não muitas e repetidas vezes à esfinge que nos devora. Infelizmente não temos este herói. A esfinge está sendo mais forte e poderosa, devorando também os Édipos…
Vivemos sob tensão. Nossa vida transformou-se em cartas de baralho mexidas repetidas vezes, quanto mais embaralhadas melhor. Um governo, que nos foi imposto, a cada dia nos surpreende com mudanças que poderão produzir impactos profundos na nossa vida, não para amenizar nossos tormentos, sim para tornar mais forte e poderoso o Estado e maior o poder central. Um governo que acredita que poderás reorientar os rumos da economia quase em colapso, apostando apenas no bolso do povo e na sua resiliência em suportar os embates da vida. Um governo que, apostando no lado fracassado da humanidade, joga contra este país e desperdiça todas as suas enormes potencialidades e põe fora, como um trapo velho a nossa individualidade, as nossas liberdades, a nossa democracia.
E a justiça, Deus, por onde andará, quem apelará por ela? Como ficar calado diante do caso do Débora Rodrigues dos Santos, mãe de 2 crianças, presa no 8 de janeiro por pichar, numa escultura da Praça dos Poderes, “perdeu mané”? Detida desde março de 2023, é acusada de crimes gravíssimos, usando potente arma: um batom. Lembramos aqui a Convenção dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1990 e estabelecida no Brasil pelo Decreto 99.710: “O estado tem o dever de zelar para que a criança não seja separada dos pais e deve garantir que todas as ações dos tribunais e autoridades considerem o interesse maior da criança.” Em tempo: Adriana Anselmo, cúmplice de Sérgio Cabral e Deolane Bezerra, agora conhecida e “famosa” no Brasil inteiro, foram beneficiadas por este instrumento legal que, para os filhos traumatizados de Débora, virou letra morta.
O que dizer do caso do político Daniel Silveira, preso há muito tempo, cuja mudança de regime é propositadamente adiada, para atender a excessos da justiça? O livro “O processo” de Kafka, ajuda a entender o caso… E as falas do presidente, em defesa de ditaduras e terroristas, que nos representam (mal) no mundo inteiro? E as decisões do STF que também correm mundo e causam preocupação, principalmente em países onde liberdade é um direito inalienável?
Diante de tudo isto e muito mais, a que temos assistido inertes e calados, tenho a ligeira impressão que as nossas esfinges se entreolham e perguntam entre si: quem é este povo, porque se comporta assim?
Eu respondo: O ENIGMA SOMOS NÓS!