Serviço de Assistência Integral à Criança Traqueostomizada do Hospital Infantil João Paulo II apresenta índices superiores ao de importantes instituições internacionais e é destaque em publicação científica

A dona de casa Mirian Silva da Costa, 40 anos, de Contagem, e a pescadora Juliana Costa, 41 anos, de Lagoa da Prata, conhecem, na prática, o significado dos resultados descritos em um artigo da Revista Paulista de Pediatria, em setembro deste ano. Elas são as mães, respectivamente, de Alycia e Gabriela, que passaram pelo “Protocolo de Decanulação de Pacientes Pediátricos”.

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Alycia e Gabriela tiveram a cânula de traqueostomia retirada (decanulação) e hoje vivem sem as restrições impostas pelo dispositivo, o que é abordado pelo artigo, publicado pela equipe multidisciplinar do Serviço de Assistência Integral à Criança Traqueostomizada (Sait) do Hospital Infantil João Paulo II (HIJPII), da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).

A publicação, presente em plataformas de buscas internacionais, é intitulada “Protocolo de decanulação em pacientes pediátricos: estudo de série de casos” e traz os resultados alcançados com 120 crianças atendidas no Sait, entre 2011 e 2021. O estudo descreve todas as etapas necessárias à segurança do procedimento.
“O protocolo pode abrir caminho para outras crianças se beneficiarem dessa conquista em serviços que queiram usar o artigo como um ‘modelo’ a ser seguido”, diz a pneumologista pediátrica do HIJPII e coordenadora do Sait, Isabela Picinin.
“Nosso protocolo apresentou 100% de sucesso. Ou seja, todas as crianças que foram elegíveis à decanulação toleraram a retirada da traqueostomia de forma segura”, comemora a coordenadora do Sait.

Liberdade

Alycia nasceu prematura extrema e, quatro meses depois, foi traqueostomizada. O caso dela é um dos 120 retratados pelo artigo da equipe multidisciplinar do Sait. “Minha filha veio para casa com a traqueostomia. Aprendi todos os cuidados no Hospital Infantil João Paulo II. A princípio, era um bicho de sete cabeças. Não recebi bem a condição da Alycia, pois não conhecia nada sobre a traqueostomia”, lembra Mirian.
“Relutei, mas vi que não tinha outra alternativa. Pedi a Deus para me acostumar a lidar com aquilo. Ela ficou com a cânula dos 4 meses de vida até os 2 anos de idade e ainda permaneceu com uma fístula traqueocutânea (complicação benigna da traqueostomia) que foi fechada quando tinha 4 anos”, recorda a mãe de Alycia.

Ela conta que, durante os quase dois anos em que sua filha esteve com a cânula, ela conviveu com um medo constante. Mirian tinha receio de que a menina permanecesse com a traqueostomia por toda a sua vida, de que entrasse água durante o banho ou de sua filha arrancar a cânula e ela não ver a tempo de ajudá-la, entre outros temores.

Mirian revela que hoje, sete anos após a decanulação, Alycia, com 9 anos de idade, leva uma vida normal como outras crianças da sua idade. “Para mim, a retirada da cânula foi uma benção e nos trouxe mais liberdade. Eu só tenho que agradecer a Deus e à doutora Isabela por ser tão dedicada e por ter amor pelo que faz”.

“As enfermeiras da sala de observação foram sempre solidárias. Até hoje digo que não sei o que seria de mim se não fosse o Hospital João Paulo II. Tudo o que a equipe me passava, eu seguia à risca. Parecia que eram tempos eternos, mas quando olho para trás, vejo que foi até rápido. A traqueostomia não é um bicho de sete cabeças e salva vidas”, pontua Mirian.

Salvar vidas

Gabriela tem 2 anos e 10 meses e é filha de Juliana e do pescador e presidente de uma colônia de pescadores Cristiano Alessandro de Araújo, de 47 anos. A pequena foi traqueostomizada com menos de 3 meses de vida, em razão de complicações após infecção pelo vírus da covid-19, em março de 2022. Gabi ficou quase dois anos com a cânula, que foi retirada em fevereiro deste ano.

“Quando a equipe médica se reuniu conosco para falar a respeito da traqueostomia, foi um choque pela nossa falta de conhecimento, mas aceitamos e tivemos treinamento de como aspirar, higienizar e cuidar. Com o passar dos meses, foi ficando mais fácil e tivemos mais segurança”, relata Juliana.

Segundo a mãe de Gabriela, “as pessoas olham as crianças com traqueostomia com curiosidade. Perguntavam sobre o motivo de a Gabi usar a cânula e reagiam com pena. Eu discordo disso, pois foi o que salvou a vida da minha filha quando ela precisava respirar”.
A pescadora conta que o processo de decanulação foi tranquilo. De acordo com ela, a médica Isabela Picinin explicou como seria o procedimento e deu todo o suporte necessário para que ela, o marido e a filha vivenciassem o processo da melhor forma possível. Juliana se recorda de que a menina ficou tranquila durante a retirada da cânula, realizada no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do HIJPII.

“Para nós, a retirada da cânula foi uma benção. Hoje, a Gabriela tem uma qualidade de vida bem melhor, pode brincar e comer com mais segurança e liberdade. Ela recebeu um tratamento de excelência no Hospital João Paulo ll. A equipe é nota dez. O hospital tem excelentes profissionais e um serviço de ótima qualidade”, elogia.

“Aos pais que estão iniciando nessa caminhada, eu digo para seguirem todas as orientações dos profissionais para os cuidados e higienização da cânula e digo, com toda a certeza, que tudo passa. Então, tenham fé”, assegura Juliana.

Tempo ideal

A traqueostomia é uma cirurgia que cria uma abertura artificial no pescoço para desobstruir as vias aéreas superiores (formadas pelo nariz, faringe, laringe e a parte superior da traqueia) do paciente e preservar a sua vida.

As causas mais comuns de traqueostomia são prematuridade, tempo prolongado de intubação por doenças graves (meningite, pneumonia, cardiopatia graves), sequelas neurológicas após acidentes (afogamento, atropelamento) ou por complicações no parto.

Decanulação é o processo de retirada da traqueostomia para retomar a respiração espontânea. O recomendado é que esse procedimento seja realizado o quanto antes para a melhor recuperação dos pacientes e redução do número de complicações.

Se o procedimento de decanulação for realizado com muita antecedência e sem o monitoramento ideal, as consequências vão da insuficiência respiratória ao óbito. A avaliação adequada é essencial para que a decanulação seja feita com segurança e eficácia.

Protocolo

Os pacientes do Sait são encaminhados via regulação do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao chegarem, as crianças recebem o acolhimento necessário e é elaborado o Plano de Tratamento Singular, que tem como foco as características de cada uma delas. O processo de decanulação em crianças não é padronizado. Na ausência de um protocolo definido, o procedimento varia entre as instituições hospitalares, seja no Brasil ou no exterior.
As taxas de falha de decanulação em outros serviços variam de 6,5% a 21,4%. O resultado obtido com o protocolo desenvolvido pela equipe do Sait não registrou falhas, o que atesta a sua segurança. Desde a sua aplicação, não houve nenhuma complicação como óbito ou a necessidade de recanulação.

Paralelo a isso, a taxa atual de decanulação do serviço é de 33% – nove pontos percentuais a mais que as estatísticas anteriores do próprio HIJPII – quando registrava uma taxa de 24%. Esse novo patamar faz com que o Sait supere outros importantes serviços no mundo.

“A taxa de decanulação do Sait é limitada pelo fato de o nosso hospital ser referência em doenças raras e, portanto, uma parcela considerável dos pacientes traqueostomizados apresentam alterações neurológicas graves, necessitando do uso de traqueostomia para a proteção das vias aéreas, não sendo elegíveis para a decanulação”, esclarece Isabela Picinin.

Luanna Rodrigues, fisioterapeuta da equipe multidisciplinar do Sait, explica que, na criança com traqueostomia, a fisioterapia tem papel fundamental e atua principalmente no acolhimento da família e no seu treinamento para os cuidados com a cânula. “Deixamos claro para os pais e cuidadores que a traqueostomia não é inimiga e, sim, uma aliada para que seus filhos possam respirar e que, por isso, precisa ser manejada de forma correta”.
“Para que as crianças sejam decanuladas, precisam passar por avaliações específicas com provas funcionais. Se essas avaliações, conduzidas juntamente com a equipe de fonoaudiologia, forem positivas, muito provavelmente elas estarão aptas para a decanulação segura”, afirma Rodrigues.

Pioneirismo

O Sait é um serviço pioneiro e de referência para o acompanhamento humanizado de excelência às crianças traqueostomizadas, com demanda crescente no estado. A equipe multidisciplinar inclui especialistas das áreas de pneumologia, broncoscopia, fonoaudiologia, fisioterapia respiratória, enfermaria, técnico de enfermagem, psicologia e assistência social.

“A grande expertise da equipe e a atuação coesa de vários especialistas associadas ao grande número de crianças atendidas (830) faz com que sejamos referência de assistência de qualidade”, completa Isabela Picinin.

O serviço realiza a troca trimestral de cânulas e o treinamento de familiares e cuidadores das crianças para o manejo correto da traqueostomia, com foco na prevenção e na abordagem de possíveis complicações. Esse treinamento se estende ainda aos responsáveis pelo acompanhamento dessas crianças em ambiente escolar, para garantir que nenhuma fique sem acesso à educação.

O bem-estar e a aceitação na escola são supervisionados, com base nos relatos das famílias e dos contatos com as instituições de ensino. Ao compartilhar informações sobre o procedimento, o Sait também presta um papel social em contribuir para reduzir a discriminação e a exclusão do convívio social das crianças traqueostomizadas.

A traqueostomia, na maioria dos casos, não compromete a inteligência das crianças, que utilizam as cânulas devido a uma obstrução abaixo das cordas vocais, o que impede a respiração pelo nariz e pela boca. Aquelas que apresentam um quadro neurológico grave provavelmente permanecerão traqueostomizadas para evitar que os problemas pulmonares sejam agravados.
Galeria de fotos disponível em: https://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/hospital-de-minas-gerais-tem-seguranca-reconhecida-para-protocolo-de-retirada-de-traqueostomia-em-criancas