“Vivemos em um mundo onde o funeral importa mais que o morto, o casamento mais que o amor, o físico mais que o intelecto. Vivemos na cultura da embalagem que despreza o conteúdo.” Eduardo Galeano
Marília Alves Cunha
Dia desses estava eu a assistir um programa do Jô Soares, antigo é claro, daquele tipo que não se faz mais. O Jô, o gordo inteligente e sarcástico, de uma ironia mordaz, capaz de fazer rir desbragadamente e rir escandalosamente, inclusive de si mesmo. O melhor da história: o entrevistado era nada mais nada menos do que o grande Chico Anísio, a meu ver o maior humorista que o Brasil já teve. Acredito, devido a fatores políticos, ideológicos, sujeitos a tormentas, relâmpagos e trovoadas nunca mais alguém poderá igualar o seu gênio criativo. Os tempos eram outros, convidavam ao humor inteligente, hoje não convidam mais…
Quase que sem querer (ou querendo) a cabeça começa a fazer comparações com os programas (se dizem de humor) que tentamos assistir. Será esta cultura “woke” (guerra cultural na qual não se aceita o fato de que existem no mundo pessoas que pensam diferente das que promovem esta cultura, fortemente baseada no identitarismo. Para um “woke” os que não pensam como ele ainda não acordaram, continuam dormindo)? Ou o politicamente correto deu um gigantesco passo para acabar com o senso de humor no mundo?
Bem, voltemos para o Chico Anisio, assunto bem mais interessante. O gênio morreu em 2012, de falência múltipla de órgãos, aos 80 anos. Não sem antes criar 209 personagens. Coisa atôa não, personagens que criavam raízes no coração da gente e de quem aguardávamos a visita semanal a nos deliciar com seu papo, sua fantasia e sua graça. Os da minha idade ou um pouco mais jovens não têm como esquecer destes e muitos outros celebrados personagens(cito alguns):
*Washington – líder estudantil rebelado contra o regime, defensor do comunismo. Nada trabalhador, fazia política 24 horas diárias.
*Alberto Roberto – Ator e apresentador de talk show, considerava-se um símbolo sexual e super estrela. Bordão: “Não garavo, eu sou um símbalo sescual”.
*Alfinete – típico malandro carioca que fazia exploração do trabalho infantil.
*Apolo – Vivia descontente com a mulher, dona Pureza, uma ninfomaníaca que não lhe dava sossego.
*Bento Carneiro – vampiro brasileiro, tinha sotaque caipira. Desnutrido e anêmico não conseguia assustar ninguém.
*Bozo – afirmava prá todo mundo que é alto funcionário da Globo e vivia dando em cima do mulherio.
*Haroldo – personal trainer homossexual que sempre tentava, em vão, passar à condição de hetero. Bordão: “Agora sou hetero, mordo você todinha!”
*Justo Veríssimo – político corrupto que tinha ojeriza aos pobres. Bordão: “Tenho horror a pobre, quero que pobre se exploda”.
Nesta mesma entrevista ao Jô, a qual no início me referi, Chico Anísio faz alusão à velhice e com seu jeito jocoso se diz quase igual a uma figura que imagina: ele velhinho, inválido, incapaz de dar dois passos e o pessoal que toma conta de sua velhice dizendo: “Põe o Chico no sol…tira o Chico do sol”.
Penso que ninguém deseja passar por esta ocorrência. Que a morte nos pegue razoavelmente saudáveis, que os dias cheguem plenos de sol e claridade com sua luz a nossa disposição. E que possamos chegar a esta luz com as nossas próprias pernas e com a nossa própria cabeça.
Um problema no joelho tirou-me de circulação por uns tempos e me pôs a pensar demais. Uma amiga generosa, temendo pela minha saúde mental dispôs-se a levar, eu e mais dois velhinhos, para uma volta pelas ruas e praças de Uberlândia, esbanjando luzes e cores natalinas. Sentada no carro, sentindo pontadas no joelho que apelidei de “little bit”, escutando o papo dos outros velhinhos que falavam mais consigo mesmo do que com os ouvintes de ouvidos parcos, pensei no Chico e seus temores. Dei uma balançada desajeitada nas pernas, mexem-se (graças), cavouquei pensamentos bons no fundo da mente, encontrei alguns, decidi jogar os maus pela janela entreaberta e apreciar o reluzente momento. A cidade está linda, esperando Noel.
Desejo aos leitores deste blog que aguardem o Natal com coração de criança e depositem fé nos dias que virão. Feliz Natal. E nada de pensar em impossibilidades. Que nossa inteligência floresça sem rédeas curtas, que melhores ocasiões oportunizem o nascer de outros gênios a nos fazer explodir em risadas. E claro, sem nos preocuparmos absurdamente se um riso ou um gesto, em determinado momento, é absolutamente questionável.