Ivan Santos*

No final da década de 1970 do século passado desembarquei em Uberlândia de mala, cuia, lenço e documento. Vim para acompanhar o desbravamento dos cerrados por decisão, arte e vontade do governador Rondon Pacheco. Passei várias vezes por Araguari onde assisti à chegada de cafeicultores do sul que foram lá plantar café no cerrado. Cerrado que antes só servia para abrigar lobos-guarás, tamanduás, tatus e capivaras. Logo descobri o último jornal que naquela época ainda era composto pela junção de tipos (formatos de letras e números) como no tempo de Gutenberg – o inventor da tipográfica. O comandante do jornal era o descendente de libaneses, Afif Rahde – um tipo, para mim, inesquecível. Passava ele todos os dias na oficina onde era composto e impresso o jornal “Gazeta do Triângulo” – o mais antigo de Araguari. Era uma publicação que cuidava com esmero da divulgação de fatos da sociedade local, principalmente aniversários de personalidades, batizados e casamentos. Afif era simpático, atencioso, singular. Certa vez saiu de Araguari e foi ao Rio de Janeiro conhecer o “homem que calculava”. Era este o Malba Tahan, autor do famoso livro “O Homem que Calculava”. Melhor: Ali Izid Edim Ibn Salim Hank Malba Tahan. Afif foi conhecê-lo porque imaginava que fosse um xeique árabe. Não era. Era Júlio César de Mello e Souza, carioca da gema e professor de Matemática no Colégio Pedro II. Afif e Malba Tahan ficaram amigos e passaram a trocar cartas. Algumas, Afif guardava com carinho, na redação da “Gazeta do Triângulo”. Certo dia, o professor Júlio César de Mello e Souza bateu com os costados em Uberlândia a convite de professores da UFU, para dizer o que sabia a estudantes de Matemática. Malba Tahan aproveitou a ocasião e foi até Araguari pagar a visita que lhe fez Afif. Pousaram para fotos, no jornal Gazeta do Triângulo e reafirmaram a onipotência da Alá. Afif, com um boné com o bico para trás como usam hoje os adolescentes, parecia encantado. Depois da partida de Afif para o Paraíso, a Gazeta do Triângulo” transformou-se. Quando vi a mudança no jornal lembrei-me, com saudade, de simpático Afif, o homem que calculava o tempo e a vida humana em Araguari. A renovada Gazeta descrevia querelas políticas municipais e publicava textos de opinião. A “Nova Gazeta” era uma publicação informativa com mais de 75 anos de existência e guardava uma história marcada por absoluta seriedade. Esta jornal singular também desapareceu sacudido pela onde das redes sociais e dos telemóveis inteligentes. Até os dinossauros que foram ressuscitados por Speilberg no cinema já desapareceram no tempo presente por causa da onda robótica que condiciona seres humanos à inatividade cerebral. Assim caminha hoje a humanidade em direção a um futuro incerto e ainda não sabido.

* Jornalista